Crónica de Benvindo Neves
Sempre que entra o mês de junho e se aproximam as festas de Santo António há recordações que me vêm à mente. Chegam, ficam por dias. Parece que programam férias na minha cabeça para matarem saudades de tempos passados.
Minha mãe teve muitos filhos. O último nasceu no dia de Santo António. Contra a vontade dos irmãos - uns já graúdos e outros graudinhos achando-se com direito a palpites - recebeu o nome do santo do dia. Palavra de parteira era lei! Es mnine nescê k sê nome! E não se fala mais nisso!
A partir da vinda do codê, deslocar-se a Paul para as festas de Santo António passou a ser uma obrigação. Ia a mãe com o rebento ao colo. Atrás, parte dos outros filhotes, nós que ainda estávamos naquela idade em que basta se falar em sair de casa que se fica logo excitado. Por muitos anos foi sendo assim, até que o caçula cresceu. Já ia com os próprios pés, com a mãe. A romaria desde a Ribeira da Torre até a vila das Pombas foi se minguando à medida que os outros “peregrinos” de outrora foram crescendo e seguindo outros destinos.
Primeiro era a missa e respetiva procissão pelas ruelas e becos da então muito achatada vila das Pombas. Depois, vinham os passeios em torno das bancas de venda de toda a casta de produtos, onde sobressaíam os rosários, bonecos e outros produtos típicos, todos comestíveis e tão apetitosos. Ter o rosér pendurado no pescoço era a maior das nossas alegrias. Entre a vontade incontrolável de “esnicar” a coisa toda ou guardá-la para quando regressarmos à casa podermos ostenta-la com toda a bazofaria, ficávamos pelo meio termo, ainda que à custa de muito esforço. Chegar à zona com metade do rosér já estava de bom tamanho.
À tardinha vinham as corridas de cavalo, antecedidas das pitorescas corridas de burro. Eram o clímax do 13 de junho.
Certa vez tinha ido quase toda a topa lá de casa para o Paul. Meu irmão mais velho, que já era adulto e dono do seu próprio nariz, foi ter connosco depois da missa. No longo tempo de espera que íamos ter até às corridas de cavalo à tardinha, ele perguntou-me se queria ir conhecer Janela. Claro!
Subimos na primeira “juvita” que apareceu. Minha irmã Neusa, ligeiramente mais velha que eu, quis ir connosco. Fomos. A meio do percurso, quando o carro ia fazer a curva para descer a Ribeira das Pombas nas imediações de Tarafe, deparámo-nos com uma imagem medonha. Uma outra viatura havia saído da estrada e tinha ficado com a parte de frente suspensa no alto de uma rocha. Em baixo era um grande precipício. A cena era impressionante, com as duas rodas de frente no ar. Estavam alguns curiosos no local e a “juvita" em que seguíamos também parou pa tmá bonê. Mal parou o carro, a minha irmã, assustada, voou e desatou a correr. Regressou, à pé, para a vila, às correrias e debaixo de um sol ardente. Andou um bom bocado! Ficamos aflitos e já sem gosto para a aventura na Ribeira de Janela.
Estamos nas vésperas de mais um dia de Santo António. Mas no Paul há muito que a festa começou. Na minha cabeça também! Há já muitos dias que as recordações reservaram lugar.
O rebuliço toma conta do concelho mais pequenino de Santo Antão nas duas primeiras semanas de junho. Do Paço à Pontinha de Janela, de Cabo de Ribeira à Santa Isabel, o minúsculo município agiganta-se em torno do 13 de Junho.
Do lado religioso, a Igreja Matriz abarrota-se de gente. As ruelas da agora cidade das Pombas apertam-se ainda mais com a procissão!
No profano, o som estridente do rufar constante dos tambores faz esquecer por dias outro som, o das águas cantantes no vale do Paul (tão bem cantadas na música cabo-verdiana).
As corridas de cavalo enchem as ourelas da ribeira. Quando já não há espaço nas margens, os mais ousados procuram vistas privilegiadas, trepando as rochas que ladeiam a foz do vale. Não menos atrativas são as sempre hilariantes corridas de burro, outrora mais frequentes que hoje em dia. As famosas corridas de cavalos no Paul ganharam, há alguns anos, uma estátua na avenida paralela à ribeira. Os burros que reivindiquem também o seu bustinho.
De há um tempo para cá, adotou-se também a peregrinação do santo, no dia 12, desde Cabo de Ribeira até a igreja paroquial. E este ano, introduziu-se uma novidade: as marchas de Santo António com grupos de várias localidades do concelho. Acompanhei um bocadinho pelas transmissões que foram feitas na internet. Achei lindo!
Voltando ao santo desta viagem, o António. Quando for ao Paul não dispense uma escalada até à estátua do santo casamenteiro. Erguida sobre um morro sobranceiro à cidade, a partir da estátua o visitante tem uma excelente vista panorâmica sobre toda a região envolvente, com a pequena urbe mesmo debaixo dos pés do mirone.
Depois de 13 de junho, depois das festas de Santo António, há trégua no rufar constante dos tambores. Paul retoma a sua pacatez, mas não perde os seus encantos. São perenes as maravilhas desse que é um dos concelhos mais verdejantes de Cabo Verde.