Sempre ouvimos esta frase aqui na cidade da Praia: "O tempo na ilha do Maio para... passas um dia e parece que estás lá há um mês..." e por aí fora. Tínhamos 10 dias de férias e queríamos aproveitá-los ao máximo. Então fizemos uma aritmética simples: se um dia equivale a 30, então 10 x 30 = 300. Então bora lá, a ilha do Maio e sentir essa sensação do tempo.
A ilha do Maio parecia o destino perfeito-perto, acessível e barato. Apenas duas horas de barco, da cidade da Praia, com o mar normalmente calmo, por pouco mais de 1.500 escudos.
Na cidade do Porto Inglês, o local mais movimentado da ilha, ainda assim o tempo parece não passar. Aliás, diga-se de passagem, leva o título de "cidade" apenas por uma decisão política: um decreto de dezembro de 2010 que elevou todas as capitais municipais à categoria de cidade. Mas os maienses persistem em chamá-la de "vila" do Porto Inglês.
Já tínhamos ido ao Maio n vezes, mas sempre por períodos curtos, por dois dias, com sensação da lentidão do tempo, e sempre com o mesmo esquema: ficar na vila e fazer tours relâmpago pela ilha, percorrendo a estrada que forma um círculo, por todas as localidades. Pensava eu que conhecia bem a ilha. Mas não era bem assim. O Maio é muito mais do que aquilo que se vê da estrada.
Desta vez, decidimos fazer diferente. Alojámo-nos no interior da ilha, na pequena localidade de Alcatraz, no outro lado da ilha, "protegida" pelo Monte Penoso, onde tudo acontece em slow motion. A ideia era mesmo sentir o tempo parar.
E não é que, por estas bandas, até os galos ficam confusos com o tempo? Deveriam cantar apenas ao amanhecer, mas aqui cantam a anunciar um novo dia de cinco em cinco minutos. O silêncio das aldeias do interior é tão profundo que os galos parecem uma orquestra, cada um a cantar na sua casa. Assim é em localidades como Pilão Cão, Alcatraz, Pedro Vaz, Praia Gonçalo e Santo António. Para mim, era esta paz que eu procurava.
Aqui respira-se outro ar. Provavelmente mais saudável. E, acima de tudo, libertador. Uma incrível sensação de tranquilidade.
Do outro lado da ilha, na costa este, encontram-se duas praias de areia negra e várias de areia dourada. As praias de areia negra são raras nas três ilhas mais a este do arquipélago, Sal, Boa Vista e Maio, ditas como as mais antigas de Cabo Verde.
Boca Ribeira e Boca de Praiona, entre Pedro Vaz e Praia Gonçalo, são duas pérolas-praias de areia dourada e águas cristalinas em tons de azul-turquesa. Praticamente desertas, com "ondas preguiçosas" que preferem o silêncio para não incomodar o tempo. Na praia de Boca Ribeira há pequenas dunas que tornam a paisagem espectacular, um deleite para os olhos. E na praia de Boca de Praiona assistimos a um dos mais belos pôr-do-sol à beira-mar. Embora a praia esteja voltada para o lado oposto ao ocaso, a orografia plana da ilha permite que ali se desfrute de um cenário deslumbrante quando o sol se põe.
Em dez dias explorámos, a pé, toda a costa leste da ilha, desde a localidade de Ribeira D. João até Santo António, passando pela praia de Flamengos, sempre com toda a calma do mundo, a observar e apreciar cada centímetro desta bela ilha. Também nos aventurámos pelas zonas montanhosas e subimos ao ponto mais alto, o Monte Penoso (436 metros de altitude). Lá no cimo, a presença de água permanente garante a sobrevivência de vacas e cabras, acrescentando ao cenário um encanto especial.
Na ilha do Maio existem cerca de sete áreas protegidas, abrangendo praticamente todo o seu território. Em 2020, a UNESCO reconheceu a ilha como Reserva Mundial da Biosfera.
Um ponto de paragem obrigatória para quem visita a ilha do Maio é a localidade da Calheta, conhecida pela sua beleza cénica e pela gastronomia. Aqui, a moreia frita é a estrela, saboreada ao fim da tarde, enquanto o sol se esconde atrás da ilha de Santiago. A iguaria tornou-se tão célebre que deu origem ao Festival da Moreia, realizado anualmente em meados de agosto. Este ano seria a 7ª edição, no entanto, o evento foi cancelado este ano em solidariedade com as vítimas da tempestade, de 11 de agosto, em São Vicente.
A “vila” do Porto Inglês tem os seus encantos. A extensa e magnífica praia diante da urbe, as salinas, a bela Igreja Matriz no coração da cidade e, sobretudo, a simpatia das pessoas, que vai muito além do conceito de morabeza. Já na zona urbana que mais cresceu em termos habitacionais, encontra-se outra joia: a praia de Ponta Preta, igualmente deslumbrante, onde passámos a tarde inteira até o sol incendiar o céu antes de desaparecer no horizonte.
Às 22h, fomos à praia ver a desova das tartarugas, uma bênção da natureza, cuja proteção é uma causa séria em Cabo Verde. Os voluntários da Associação Maio Biodiversidade estavam lá, garantindo a segurança do processo. Passámos muito tempo, mesmo muito tempo, a observar as tartarugas na desova. Quando voltámos para casa, ainda eram 23h30... O relógio aqui não tem pressa.
Quanto à gastronomia, na ilha do Maio, foi à base do que o mar oferece. Todos os dias provámos pratos com garoupa, bidião, atum, búzio, moreia, lagosta, polvo…
E assim se passou o tempo na ilha do Maio, ou talvez tenha parado.
Localidade de Alcatraz

Localidade de Alcatraz
Desova de Tartaruga
Praia de Praiona
Praia de Flamengos e os rastos de tartarugas
Praia de Ribeira D.João, extremo sudeste da ilha do Maio
Igreja de Nossa Senhora da Luz, na cidade de Porto Inglês

Praia de Beach Rotxa, na cidade de Porto Inglês
Disco Passaperto, em Pilon Cão
Praia de Boca Ribeira
No Topo do Monte Penoso, o ponto mais alto da ilha do Maio
Deliciosa moreira frita, em Calheta - ilha do Maio
Igreja entre Alcatraz e Pilon Cão
Praia de Ponta Preta
Décio Barros