Nancy Vieira sentiu-se, literalmente, em casa ao subir ao palco para abrir o terceiro e último dia da 14ª edição do Kriol Jazz Festival, que decorreu na cidade da Praia, nos dias 10, 11 e 12 de abril. Um espetáculo repleto de emoções e nostalgia.
Como fez questão de recordar durante o concerto, Nancy nasceu na Guiné-Bissau, onde os pais cabo-verdianos se encontravam na altura, mas veio para Cabo Verde com apenas quatro meses de idade. Cresceu no Plateau, o Centro Histórico da Praia, onde passou a infância e adolescência. Frequentou ali a escola primária e o liceu, e na primeira fila do espetáculo estavam algumas das suas antigas vizinhas, emocionadas com o reencontro.
O concerto teve lugar na Praça Luís de Camões, mas popularmente conhecida por Pracinha da Escola Grande, onde funcionava a Escola Primária Nº 1 — a primeira escola de Nancy. Foi nessa praça que brincou em criança e construiu memórias que agora transporta consigo pelos palcos do mundo, levando a música tradicional cabo-verdiana a novas audiências.
A sua doce voz foi, por vezes, silenciada... pelo próprio público, que cantou em uníssono algumas das suas canções mais emblemáticas. Entre elas, "Manu", do álbum de estreia "Nos Raça" (1996), gravado como prémio de ter vencido um concurso de música, numa discoteca de música africana, em Lisboa, quando ainda era estudante de Sociologia. Outra das músicas que mais emocionou foi "Praia Maria", da autoria de Betú, incluída no seu mais recente álbum "Gente" (2024). Interessante como a música da Nancy, quase sempre, homenageia pessoas e a caboverdianidade.
Na plateia estava também o Presidente da República, que chegou após o início do concerto. Importa destacar que o Kriol Jazz Festival é um dos poucos eventos culturais no país que respeita rigorosamente o horário marcado desde a sua criação. Por ter chegado mais tarde, o Presidente não assistiu à interpretação da música "Sabu", um poema de José Maria Neves "musicado" por Kaku Alves (compositor e produtor musical). No entanto, quando a plateia pediu "só mais um!", a Nancy fez questão de repetir a canção como forma de homenagem. O Presidente da República fez questão de cumprimentar a artista no final do espetáculo, nos bastidores. Em declarações à RCV, José Maria Neves afirmou ter ficado emocionado com a música “Sabu”, reconhecendo a força das palavras. Sobre o evento, considerou o Kriol Jazz Festival um grande momento para a cidade da Praia e para Cabo Verde — um espaço de encontro, de diálogo e de renovação das esperanças num mundo melhor, além de ser uma oportunidade para lançar sementes de novas amizades, algo que considera muito importante.
Acompanhada por uma banda composta por músicos da Ucrânia, Espanha, Portugal e Cabo Verde (a baixista cabo-verdiana Nelly Cruz), Nancy Vieira partilhou ainda o palco com o talentoso Luís Firmino, do coletivo Acácia Maior. Foi um espetáculo carregado de emoções, num cenário que mais parecia um quadro vivo, repleto de cor e emoldurado por um suave chuvisco que deu à Pracinha da Escola Grande uma atmosfera mágica. Nancy Vieira e a sua banda encerraram a atuação ao ritmo contagiante da música “Ta Cundum Cundum”, do álbum Gente (2024), balanceando a plateia, entre muitos aplausos.
Nancy Vieira resumiu o seu espetáculo numa palavra: “emoção”. Emoção pelo feedback do público e pelo espaço — a Pracinha da Escola Grande — que, para ela, é especial.