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    Crónica: Bebeto, o guia dos caminhos suspensos de Santo Antão

    3 de agosto de 2025

    Encontrámo-lo ali mesmo, no alto da Selada de Corvo, como quem faz parte da própria montanha. Bebeto, assim o conhecem todos por estas bandas, é mais do que um guia de turismo na ilha de Santo Antão: é um contador de histórias em movimento, um guardião de trilhas, um amigo das nuvens e dos caminhos estreitos, pedregosos e desafiadores.


    A Selada de Corvo é paragem obrigatória para quem se aventura na famosa trilha de Ponta do Sol a Chã de Igreja ou vice-versa, um caminho de 14,6 quilómetros que serpenteia aldeias penduradas nas encostas, como Fontaínhas, Corvo, Formiguinhas, Aranhas e Cruzinha. É, dizem, o percurso mais procurado por quem chega à ilha em busca de silêncio, vertigem e vistas que se guardam no peito para sempre.


    No cume, do caminho entre Fontaínhas e Corvo, há um pedaço de chão, Selada de Corvo, onde o mundo se abre: de um lado Ponta do Sol, do outro Corvo, à frente o mar sem fim. É ali que os caminheiros largam as mochilas, partilham fruta, engolem goles de água fresca e, claro, posam para a fotografia obrigatória. Foi ali, enquanto o grupo que Bebeto guiava se demorava a encher os olhos de horizonte, que o abordámos, aproveitando a pausa para dois dedos de prosa.

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    Selada de Corvo, ilha de Santo Antão


    São já 24 anos a abrir caminho para outros verem. Bebeto é natural de Ponta do Sol, mas pertence a toda a ilha. Já perdeu a conta às vezes que fez esta travessia, mas não se cansa. "Nunca é igual. Cada luz, cada nuvem, cada céu é uma surpresa. Às vezes vejo golfinhos lá em baixo. Sou grato por fazer disto a minha vida", confessa, com um sorriso tranquilo, como quem agradece ao vento por passar.


    Não tinha muito tempo, os turistas esperavam, mas concedeu-nos aquela breve partilha, entre uma pergunta e outra, num tom afável, sempre com a serenidade de quem conhece cada curva da estrada e do destino.


    Pedi-lhe, quase como quem pede um segredo, que nos revelasse o seu top 5 de trilhas em Santo Antão. Bebeto sorriu, como se percorresse cada uma delas mentalmente, como quem abre um álbum de memórias:
    1) Sinagoga - Lombo Branco - Pinhão, uma vista panorâmica e sublime sobre o mar e as linhas de costa; 2) Ribeira da Torre até à Cachoeira de Vinha, curta mas deliciosa "Dá para mergulhar, grelhar, tocar guitarra, levamos comida… é uma experiência completa", garante; 3) Pico da Cruz, o melhor pernoitar ou é chegar no amanhecer "ver o nascer do sol dali é brutal",  em dias de céu limpo, vê-se o Vulcão do Fogo (na distante ilha do Fogo), o Pico d´Antónia (na ilha de Santiago), e as ilhas vizinhas: São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau; 4) Tope de Coroa - Ribeira das Patas, trilha que cruza cenários vulcânicos, paisagens maravilhasos; 5) Encosta de Cruzinha - Figueiras - Ribeira Alta, curvas e contra-curvas delicioso.


    Sobre as trilhas mais procuradas, não hesita: Cruzinha - Ponta do Sol, Cova - Paul e, mais recentemente, a Ribeira da Torre. "Cada uma tem o seu encanto", diz, orgulhoso.


    Para Bebeto, Santo Antão é um quadro em permanente mudança. Entre setembro e dezembro, a ilha veste-se de verde, renascida pelas chuvas. Mas mesmo no resto do ano, quando o castanho domina as encostas, a beleza continua lá, nua, crua e imensa.


    A despedida foi curta, porque o trabalho chamava. Mas houve tempo para uma última certeza, dita com a tranquilidade de quem sabe onde quer ficar: "De Santo Antão, de Cabo Verde, não saio. Estrangeiro, só para férias ou para aprender mais. Aqui é que é a minha casa."


    E assim ficou Bebeto, de sorriso aberto, retomando o trilho. A nossa conversa esticou mais do que devia. O grupo já estava uns bons metros a frente. Ele apressou o passo e desceu, serpenteando pela encosta em direção ao Corvo, até se perder em Cruzinha. Bebeto é, em cada passo, parte do próprio caminho. 

     

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    DB