O filme-documentário "Orlando Pantera", realizado pela portuguesa Catarina Alves Costa e idealizado por Darlene Barreto, filha do músico, estreou este sábado, 1 de novembro, em Cabo Verde, no Auditório do Centro Cultural Português, na cidade da Praia. A sala estava cheia. No final, o público levantou-se num longo aplauso de pé, cantando a música "Na Ri Na", enquanto subia a extensa ficha técnica, uma homenagem sentida a um grande figura da música cabo-verdiana.
A data da estreia não podia ser mais simbólica: 1 de novembro, o dia em que Orlando Pantera completaria 58 anos. Nascido em 1967, em São Lourenço dos Órgãos, no interior de Santiago, Pantera partiu precocemente, a 1 de março de 2001, numa quinta-feira, um dia após ter sido hospitalizado na cidade da Praia, numa Quarta-feira de Cinzas. Tinha apenas 33 anos e um álbum a solo com data e hora para as gravações. Mas foi o álbum que o tempo não lhe deixou gravar.
O legado em filme
O documentário recupera o legado de um dos músicos mais inovadores da história recente de Cabo Verde. Através de arquivos inéditos, encenações musicais e interpretações contemporâneas de nomes como Mayra Andrade, Princezito, Zul Alves, Eneida Moniz, Marinu, Fattu Djakité e Dieg, o filme mostra como a música de Pantera continua viva, inspirando novas gerações.
Entre as imagens de arquivo, destacam-se as filmadas em 2000, quando Catarina Alves Costa conheceu Pantera durante as gravações do documentário "Mais Alma", dedicado à criação teatral em Cabo Verde.
A narrativa segue os passos de Darlene Barreto, que tinha apenas seis anos quando perdeu o pai. Através de encontros com pessoas, lugares e memórias, o filme constrói um retrato íntimo e poético de Orlando Pantera - músico, compositor e homem de causas sociais.
Reconhecimento na sua estreia mundial
Antes de chegar a Cabo Verde, "Orlando Pantera" teve estreia mundial no IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema, que decorreu de 1 a 11 de maio de 2025, em Lisboa, Portugal. Saiu de lá premiado com dois galardões: o Prémio IndieMusic e o Prémio do Público para Longa-Metragem.
Uma noite de estreia emocionante na Praia
Durante a exibição na Praia, o documentário ganhou ares de espetáculo musical. Cada atuação arrancava aplausos espontâneos do público. A experiência foi arrepiante, uma viagem sonora e emocional pelas paisagens e figuras que mantêm viva a obra de Pantera. Um mergulho profundo num legado interrompido cedo demais, mas que permanece eterno.
A sessão contou com a presença da realizadora e da filha do músico. Catarina Alves Costa recordou o lado humano e pedagógico de Pantera: "Ele trabalhou muito com crianças de rua e na Aldeia SOS. Não era alguém que queria ser artista, era um artista natural. Vivia a música com as crianças mais do que com o palco. Isso é uma lição de dignidade e de força", disse. "O impacto da sua morte foi enorme. Centenas de músicos acorreram ao funeral, a tocar e cantar. É algo muito impactante."
Para Darlene Barreto, "o filme foi uma jornada pessoal. Foi um processo de descoberta. Não conhecia muito do meu pai e quis ir descobrindo aos poucos, através das pessoas e das histórias. Mesmo durante a montagem mantive alguma distância, para poder sentir a surpresa ao ver o filme pronto. Quisemos mostrar todas as facetas do Orlando Pantera, o músico, o compositor, mas também o educador social. E conseguimos retratar isso."

Darlene Barreto e Catarina Alves Costa
Uma memória pessoal e coletiva
Para mim, o filme-documentário "Orlando Pantera" foi uma viagem no tempo, um regresso a cerca de vinte anos atrás, à época em que eu era estudante universitário em Lisboa. Nos anos que se seguiram à morte de Pantera, a sua música começou a circular entre os estudantes cabo-verdianos: uma única faixa de áudio que reunia várias canções, aparentemente gravadas ao vivo, e excertos de conversas do próprio músico.
Esse material precioso, em cópias piratas, era "traficado" de mão em mão entre milhares de estudantes e emigrantes cabo-verdianos na capital portuguesa. Nos primeiros anos 2000, ainda antes do boom dos smartphones, eu e muitos colegas ouvimos aquelas músicas em iPods e leitores portáteis similares. Essa única faixa, reproduzida em loop, tornou-se a banda sonora das nossas vidas: acompanhava-nos nas viagens de autocarro, comboio e metro; a caminho do emprego, da faculdade, de casa.
E quando chegávamos à casa, o denominado "República", onde viviam dezenas estudantes de crioulos, de cada quarto ecoava o som de Orlando Pantera, como uma orquestra improvisada. Nessa gravação única, ouvíamos temas cantados pelo próprio Pantera, como "Dispidida", "Raboita di Rubon Manel", "Lapidu na Bo", "Vasulina", "Sukundida", "Batuku" e "Ciré".
Agora, quase vinte anos depois, ao ver o documentário pela primeira vez, senti uma espécie de sincronização mental - as imagens projetadas no ecrã encontraram o áudio que me acompanhou durante tantas, mas mesmo tantas, horas. As cenas do filme revelaram a origem daquele som que, entre 2003 e 2006, se espalhou e marcou uma geração.
Foi precisamente nesse período fervilhante da redescoberta de Pantera que Lura lançou, em 2005, o álbum "Di Korpu ku Alma", com temas do músico como "Na Ri Na", "Batuku" e "Vazulina (Zoi)". Esse disco, sublime em todas as faixas, trouxe novamente à superfície a genialidade de Pantera, e as suas canções voltaram a soar, incessantemente, nos ambientes estudantis que eu frequentava na Grande Lisboa.
Próxima exibição
Depois da estreia no Centro Cultural Português, o filme será exibido novamente, gratuitamente, esta terça-feira, 4 de novembro, no âmbito do DjarFogo International Film Festival, extensão Praia, no programa "Cinema na Comunidade", no Bairro Craveiro Lopes, às 18h00. [Ver Programação]
DB

