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    Pelas zonas altas do Tarrafal de Santiago: De Biscainho a Mato Brasil (Parte I)

    4 de abril de 2025

    Crónica de Benvindo Neves

     

    Adoro Tarrafal de Santiago! Sim, mas qual é a novidade? Normalmente, toda a gente gosta do Tarrafal. Da sua belíssima praia, do pôr do sol sobre a baía, da simpatia das pessoas, enfim, de tudo.


    Certo, mas eu falo de um outro Tarrafal, um que normalmente nunca se encontra nos folhetos turísticos. Falo do Tarrafal rural, aquele das comunidades afastadas, escondidas no miolo das zonas mais altas do município. Aquele que vai definhando aos poucos, sucumbindo-se ao êxodo e à emigração 

    Biscainho
    Prepara-se porque vamos subir, subir e subir! Bem, melhor mesmo seria, antes de começar a escalada, levantarmos uma placa a alertar para uns 10 % de inclinação, talvez. Fica desde logo o aviso: vamos de carro!


    Saímos da cidade de Mangue e tomámos o rumo da estrada que dá para o concelho de São Miguel. Depois de uns 5 quilómetros sempre naquela faixa de planície junto ao litoral, chegou o momento de fazermos uma curva para a direita. 


    Metemos no fio de um lombo que começa a esticar-se a partir do mar, entre duas pequeninas baías. Daqui para frente temos o rosto sempre para o alto, sobre uma estradinha empedrada.
    Logo nos primeiros instantes, surge-nos pelo lado da borda um miradouro, construído recentemente. Mas a melhor vista está ainda mais à frente, ou melhor, mais acima, muito mais acima!
     
    O carro galga a montanha, entre a primeira e a segunda velocidade.

     

    Estamos agora a atravessar o primeiro povoado. A estrada corta ao meio o aglomerado. À medida que ouvem o ronco da viatura, algumas galinhas atravessam, assustadas, a estrada. Cacarejam desvairadas à procura de refúgio. Do meio das casas surgem algumas crianças. Curiosas, querem certificar acerca de quem passa.

    O primeiro povoado já está pela nossa retaguarda. A estrada continua a levantar-se em direção ao céu, agora atravessando terras agrícolas, do sequeiro. Estão forradas de feijoeiros todos prenhes de vagens a sobressaírem, verdes, entre um vasto milheiral já ressequido. 

    A sensação é que quanto mais avançarmos, mais inclinado fica o troço de estrada. 

    O segundo povoado surge-nos com uma igreja logo à frente, no alto de um morro. É a igreja de Santa Rita. Parece enorme para a comunidade. 
    É domingo e vê-se sobre os muros do pátio muitas crianças e adolescentes. Devem estar à espera da chegada do Padre para a missa dominical. Ou então, aguardam pela catequese. 
     

    Prosseguimos pela montanha acima, em ziguezague: uma curva para a direita, outra para a esquerda, agora estamos junto a uma placa desportiva, também com dimensões bastante generosas. I Love Biscaínho, lê-se numa das paredes internas da infraestrutura. Ao lado, saltam à vista algumas pinturas. Fixo o olhar por instante no desenho de um tubarão Azul e outros alusivos a diferentes modalidades desportivas: ginástica, boxe, atletismo, natação, futebol. Mas, não creio que nesta placa se joga algo mais que o futsal. Até porque, hoje em dia, a zona tem poucos jovens. A grande maioria partiu! Aliás, vê-se por todos os lados os sinais do êxodo, da evasão.
     

    Mas aqueles que ficam são acolhedores. Cumprimentam com atenção. Fazem e respondem a perguntas com solicitude. Num alto logo atrás da placa desportiva ergue um lombo com algumas casas juntinhas. De lá oiço um chamamento: senhor, nhu txiga! Aproximo-me. No terreiro da casa  dou com uma mesa farta. Cachupa guisada, ovos de terra, café, leite de cabra. À janela da residência, cuscuz com leite "dormido". Sta à-vontade!, oiço com insistência.
     

    Desço para a estrada e continuo a observar. Ali numa fila de casas, apenas uma não está de portas trancadas. Ali mais acima, num outro aglomerado, nenhuma vivalma. As casas, quase todas cobertas de tijolo, de longe dão um belo aspeto aos diferentes fogos de Biscainho. Quando chego perto… o silêncio do abandono ofusca a beleza cénica dos pequenos aglomerados.
     

    Olho em frente, para uma ladeira mais acima. Muitas casas perfilam-se sobre a crista da encosta. Todas cobertas de tijolo. Ali é Guarda Sanches, diz-me um morador. E depois suspira: estão todas fechadas, ninguém mais mora lá. 
     

    De Biscainho, lanço um olhar para baixo, em direção ao mar. A cidade do Tarrafal desenha-se ao fundo, sob o aconchego do Monte Graciosa. De onde estou, perscruto todas as baías e pequenas enseadas que recortam toda a ponta mais a norte da grande ilha. 
    Daqui de Biscainho é fácil partir, penso em silêncio. Afinal, daqui o alcance do horizonte é vasto. “Trás d’horizonte tem terra, tem terra longe, tem mar e céu”, escrevera o compositor B.Leza ainda na primeira metade do século XX. 
     

    Para lá do vasto horizonte que se alcança a partir de Biscainho há sonhos que fazem a cabeça dos moradores. E sonhos convidam, seduzem os ilhéus. Ainda por cima quando se trata de moradores das zonas mais altas, mais afastadas, onde os sinais do desenvolvimento chegam devagar, devagarinho, às vezes ao ritmo de quem palmilha, à pé, os íngremes caminhos vicinais que dão para cada casa erguida nos cumes do extenso perímetro de Biscainho.

     

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