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    Pelas zonas altas do Tarrafal de Santiago: Mato Brasil: a aldeia que não deu certezas a Fefa de Clarinda (Parte II)

    30 de abril de 2025

    Crónica de Benvindo Neves

     

    Na viagem anterior tínhamos parado em Biscainho, zona pendurada nas altas montanhas do concelho do Tarrafal de Santiago, já quase nas fronteiras com o município de São Miguel. 
    Não era o fim da aventura. A estrada, que mais parece um caminho vicinal, continua a enfiar-se pelas montanhas. Há outros pequenos povoados ainda mais acima. Está convidado a vir comigo até Mato Brasil.


    Se chegar de carro até ao alto de Biscainho já é um desafio, continuar a galgar a encosta sobre quatro rodas em direção ao cutelo que esconde Mato Brasil é uma verdadeira aventura.
    A estrada é má, má demais! Ao ver um pedaço de caminho tão tosco e inclinado a travessar um rochedo, ainda perguntei ao condutor que me levava se tinha certeza de que ia pôr o jeep a “gatinhar” por aquela ladeira toda escarpada. Sereno, o nosso “chauffeur” respondeu que não havia problema, que estava acostumado.


    O carro, potente, sobe teimoso pela montanha. O troço agora é quase todo ele em terra batida. Há grandes buracos cavados no meio, provocados pelas águas que correram fortes pelo caminho quando vieram as chuvas. E essas fissuras no miolo do piso ficaram assim, sem intervenções.

    Chegámos a uma espécie de cruzamento. Com alguma pompa vamos dizer uma bifurcação. Desenha-se junto a um pequeno planalto. Daqui há um troço que continua a subir, resvalando-se para a esquerda e outro que desvia para a direita, descendo encosta abaixo. Olho para os fundos e vejo uma comunidade. É Achada Moerão. A zona tem a sua própria estrada de acesso. Mas de Biscainho, subindo para Chão de Junco, pode-se descer, de carro, para Achada Moerão. Só que o nosso destino é outro, vamos para Mato Brasil.

    Estamos agora a atravessar Chão de Junco, numa pequena achada. Aqui, neste alto, conto quase duas dezenas de casas a dar forma ao povoado. São casas erguidas mais ou menos juntas no meio de terras aparentemente húmidas de sequeiro. Grandes extensões de terra, umas bem preenchidas com milheiral, feijoeiros, aboboreiras, mandioqueiras. Outras propriedades estão sem sinais de cultivo, embora tomadas de plantas que nasceram espontaneamente. Falta gente por aqui, logo não há mão de obra. Vejo casas bem arranjadas mas de portas trancadas. E estão assim há muito tempo! As teias de aranha a invadir as fachadas dão-me esta certeza.


    Mesmo junto a estrada vejo um letreiro sobre um edifício: “Posto de Saúde de Chã de Junco”. Tem grades nas duas janelas. As duas portas ao meio estão fechadas. E há capim a crescer sobre os jardins. Ao lado, outro pequeno edifício que, pelas caraterísticas, deve ser uma escola. Não vejo sinais de que esteja a funcionar, pelo menos à hora que por ali passámos.


    Continuamos a subir. Sim, esta subida parece nunca mais acabar. Chão de Junco já desapareceu de vista. A comunidade escondeu-se assim que o carro traspôs mais uma colina.
    E surge-nos mais um pequeno planalto. A estrada agora segue suave na extremidade de uma achada, paralela a um precipício. Pela esquerda contornamos um morro e já estamos em Mato Brasil.


    Em tempos esta zona devia ter um número expressivo de habitantes. Casas há muitas e a grande maioria tem um aspeto velho, desabitado, a cheirar a mofo por causa do microclima. Vejo fissuras em muitas fachadas e coberturas de betão armado a ceder. Outras antigas residências, já completamente em ruínas, agora servem de estábulo para animais domésticos que vão contribuindo para a subsistência dos resistentes que ainda habitam a aldeia.


    Mato Brasil é a zona onde nasceu Fefa de Clarinda, aquele que ficou famoso na década de 90 com a sua “Linda Menina”, cujo clipe, gravado na baía do Tarrafal, correu o mundo.
    Fefa é um dos que deixou a zona ainda muito jovem e partiu para a emigração. Tarrafal e Mato Brasil não lhe deram certezas, deixando-o “sem esperança nem futuro”, conforme ele mesmo cantou na morna “Tarrafal Ingrata”, gravada recentemente. 
    Mato Brasil parece cada vez mais perdido no miolo da região alta do município mais a norte de Santiago.