O artista plástico Délio Leite inaugurou esta sexta-feira (30), no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na cidade da Praia, a exposição "Olhar´ês", uma mostra multidisciplinar que reúne pintura, fotografia e poesia. Exposição ficará patente até 18 de junho.
O nome "Olhar´ês" resulta da fusão da palavra "olhar", em português, com a partícula "ês", referente ao pronome feminino plural no crioulo de Barlavento - Elas. O projeto, fruto da parceria entre dois portugueses e dois santantonenses, é um encontro de línguas, culturas e sensibilidades.
A exposição tem como objetivo lançar luz sobre a desigualdade de género e o impacto que esta tem no desenvolvimento de Cabo Verde. "Queremos mostrar o desequilíbrio, a disparidade de oportunidades entre homens e mulheres", sublinha Délio Leite. A mostra procura homenagear as mulheres cujo esforço na construção do país nem sempre é reconhecido em pé de igualdade.
Délio Leite, sob o nome artístico "DeyDsenh", assina as obras de pintura, cada uma acompanhada por poemas de Isaias Fortes, ou "Indzayz", poeta e rapper santantonense. Ao lado das telas, um QR Code remete para vídeos online que aprofundam as histórias das personagens retratadas. A exposição inclui ainda fotografias da portuguesa Nídia Menezes, uma social media designer que desenvolve trabalho voluntário em Santo Antão, e a colaboração de Adriana Reis (Portugal), fundadora da associação "Junt’Amor", com atuação social na mesma ilha.
As "senhoras da tela" frequentam o Centro de Cuidados de Idosos de Porto Novo, em Santo Antão. Mulheres com vidas marcadas por décadas de trabalho duro, sem o devido reconhecimento na velhice. Uma das protagonistas é a Senhora Nininha, conhecida por "Nininha Pão", retratada em pintura e fotografia, também na poesia. A sua história é de resiliência: vendeu pão pelas ruas de Porto Novo, carregando a cesta à cabeça e um sorriso no rosto. A vida levou-a até São Tomé e Príncipe, como contratada, e fez-lhe conhecer alegrias e tragédias, teve nove filhos, dos quais enterrou sete. Nas palavras de Indzayz: "...a Nininha que comeu o pão que o Diabo amassou e ainda sorriu, afinal a vida é bela. E o que são as dores do mundo perante o brilho da alma dela?"
"Nininha Pão"
A exposição apresenta sete telas, duas das quais inéditas, terminadas no próprio dia da inauguração. Em destaque, a obra "2 Lod d´Cize" retrata Cesária Évora em duas metades: uma colorida e outra a preto e branco, simbolizando o lado alegre e o lado sofrido da vida da diva dos pés descalços. Délio recorda que Cesária depois de décadas de sofrimento e não reconhecimento, só começou a ser reconhecida internacionalmente depois dos 50 anos, tornando-se um ícone da música cabo-verdiana.
Recentemente, Délio teve o privilégio de conceber o cenário da 14ª edição do Kriol Jazz Festival, que decorreu de 10 a 12 de abril de 2025, na cidade da Praia. O festival é, provavelmente, o evento musical mais fotografado de Cabo Verde, contando com um grande número de fotógrafos nacionais e internacionais, o que lhe confere ampla projeção mediática. Segundo o artista, foi um desafio exigente, sobretudo pela diferença entre o espaço do seu ateliê e as quatro grandes lonas de sete metros onde pintou figuras de lendas da música cabo-verdiana como Bana, Cesária Évora, Ildo Lobo e Totinho. "O Kriol Jazz é um evento de enorme prestígio. O trabalho no cenário foi incrível e recebi muitos elogios. Infelizmente, por motivos profissionais, ainda não consegui assistir ao festival ao vivo", revelou.
Kriol Jazz Festival 2025
Esta é a segunda vez que "Olhar´ês" é exibido. A estreia aconteceu a 12 de dezembro de 2024, no Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa, data escolhida por Délio por coincidir com o aniversário da sua avó, uma das suas maiores inspirações, a par da mãe e da outra avó. "Este projeto é contínuo. Quero contar muitas outras histórias de mulheres através das minhas telas", afirma.
Natural de Povoação (ou Puva), hoje cidade da Ribeira Grande, em Santo Antão, Délio Leite é filho de professores, de quem herdou o gosto pelo conhecimento. Aos 18 anos, partiu para Lisboa, onde se licenciou em Arquitetura pela Universidade Lusófona. Durante anos, manteve a pintura como hobbie, mas aos 35 decidiu inverter os papéis: a arte passou a ser o seu ofício principal e a arquitetura, uma paixão paralela.
Esta é a sua sexta exposição de pintura. Para além do trabalho em tela, tem diversas obras de arte urbana espalhadas por São Vicente, Boa Vista, Santiago e, naturalmente, em Santo Antão.
Fora do universo artístico, Délio é também ativista social, cultural e desportivo. É treinador certificado de basquetebol pela FIBA e dinamizador de eventos culturais. "Envolvo-me sempre com dedicação, excelência e, acima de tudo, amor", conclui.
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